segunda-feira, 4 de julho de 2016

Review: "O Barão de Porto Alegre" - Nando Dibe

Buenos dias...

Escrevo pouco aqui mas não é por falta de vontade e sim de tempo. Mentira. É falta de vontade mesmo! O Facebook e o Twitter quase que suprem totalmente o que blogueiros "meia-boca" como eu, que não tem muito o que escrever, precisam. Mas algumas vezes tu precisa de mais espaço e este é o caso. 

Recebi em empréstimo o livro "O Barão de Porto Alegre" do meu amigo (e sogro) Nando Dibe. Desde já deixo claro - e vocês verão mais adiante - que a crítica não é parcial nem amena. Ela é a verdadeira como deve ser a relação de amigos. 



Quando fui devolver o livro o autor me perguntou o que achei e por ser, neste caso, mais fácil escrever do que falar resolvi fazer este post. 

O livro foi publicado no ano 2000 e o autor ganhou o prêmio de "Revelação em Narrativa Longa" do prêmio Açorianos de Literatura aqui no RS em 2001. Para conhecimento quem ganhou o prêmio de "Narrativa Longa" naquele ano foi o José Clemente Pozenato com sem livro "A Cocanha". Não é pouca coisa e desta forma resolvi experimentar. 

De cara o que me chama atenção é o estilo de escrita. Como explicar? Bem, o autor resolve fazer uma representação escrita do que é falado, sem se preocupar com a gramática ou com a correção daquilo que as personagens falam e que não está correto (pelo menos na nossa língua...rs). Em resumo ele escreve mais ou menos assim:

"Um dia contratei um gurí pra trabaiá na Santa Tecla. O Edegar. Loco de lindo... Mas como que me fresqueá com um empregado?".

Confesso que de início minha cabeça - acostumada mais com material histórico - ficou um pouco confusa e tinha que retornar algumas vezes ao texto lido para compreender, entretanto isso durou pouco tempo. Ao percorrer as 128 páginas do livro acabei me acostumando e compreendendo melhor o que o autor quis passar com este estilo de escrita. A "imersão" na história é maior quando tu "visualiza" a personagem falando daquela forma. Muito bacana...

Mas as peculiaridades do livro não param por aí. Quem lê narrativas está acostumado com a estrutura clássica de escrita que é com o uso de travessões. Mais ou menos como:

"Quando a criatura encantada lhe disse que ele teria direito a apenas um único desejo, ele, muito esperto, soube instantaneamente o que pediria.

— Se é assim, quero ter o dom de poder realizar todos os meus desejos, bastando para isso apontar apenas o meu dedo.

— Que assim seja, mestre! — disse a criatura com um sorriso irônico." 

Bem, a narrativa do Nando Dibe não é assim. Ela é o que eu chamaria de "plano-sequencia em texto". Ele começa os capítulos com uma narrativa sem travessões e sempre seguindo "uma linha reta". Abaixo um exemplo: 


Mais uma vez, num primeiro olhar, parece muito estranho. De fato se juntarmos o estilo de escrita à escrita "fonética" propriamente dita fica bastante complicada a leitura... nas primeiras 15 ou 20 páginas. Depois de imergir na história do Barão tu já está "vendo" as personagens, os locais e a vida meio "Bukoski" retratada no livro. Depois da impressão inicial - que é a que temos naturalmente sobre algo diferente - tudo fica suave e a leitura flui numa boa. 

A história tem como figura central o "Barão" que leva uma vida meio "como se não houvesse amanhã". Vive suas histórias por uma Porto Alegre marginal, suja e nublada junto de Belinda, Higino, Padre Osvaldo, Carlito e outros. Aliás, quem é de Porto Alegre se identificará com a narrativa, inclusive ao descrever alguns lugares como a rua Botafogo - perto da minha casa - onde morava o Higino. Ops! Alerta de "spoiler"...heheheh.

O Nando Dibe, com seu "Barão de Porto Alegre" não perde em nada para um Bukoski descrevendo suas personagens. É tão obsceno, tão imoral e sem censura que a comparação é inevitável. A descrição abaixo (editada por mim aqui nesta reprodução), extraída da Wikipedia no verbete do Bukowski descreve em grande parte o estilo de Dibe - que jura nunca ter lido o "Velho Safado" antes. Ora, se eu acreditasse em algo astral diria que os dois - ele e Charles - estão tão ligados que além de todas as coincidências na escrita ambos tem o apelido de "velho safado" (embora eu ache que só o Bukoski sabia do apelido...heheheh):

"Dono de um estilo de carácter extremante autobiográfico... sonhou a vida inteira em ser reconhecido pelo seu trabalho como escritor. De estilo agressivo e inconformado e, na maioria das vezes, ébrio, sentava em sua máquina de escrever e, com uma sutileza surpreendente, deixava fluir seus pensamentos sem censura alguma. Vivia em um mundo atormentado e distorcido, totalmente fora dos padrões impostos pela sociedade de sua época. Sua falta de discrição era tão grande, que durante toda vida teve de lidar com a quebra de laços de amizade. Repulsa, nojo, ódio, amor, paixão e melancolia. Esses são alguns dos sentimentos que mais inspiraram Charles Bukowski, que passou a vida nos becos dos Estados Unidos, na composição de toda sua obra. Cada poesia, cada romance e cada conto do escritor traz um pouco da vida do "Velho Safado", como ficou conhecido no mundo inteiro."

Enfim, se tivesse de dar uma nota a este livro, levando todos os fatores em consideração daria um 8+ já que ele é inovador em muito da sua narrativa e forma de contar sua história. As personagens são bem representadas e com detalhes que muitas vezes escapam do autor "comum" pelo pudor em tratar da vida privada. Faltou algo? Sim. 

Conhecendo pessoalmente o autor diria que ilustrações feitas por ele mesmo cairiam muito bem nesta obra. Adoraria ver a cidade retratada por ele como faz nas suas ilustrações em lápis pastel.  

É uma pena o livro estar atualmente fora de catálogo mas sei que o autor está atualmente em tratativas para o relançar em formato digital eBook. Aguardem!